terça-feira, 11 de março de 2008

Realismo e Romantismo na Literatura Portuguesa de Eça de Queirós e Camilo Castelo Branco

Depois de algum tempo sem escrever, volto para repensar, junto aos leitores do blog, uma incomparável modalidade de ficção: A Literatura.

Antes do desenvolvimento dos argumentos que permitem a classificação de O Primo Basílio como um romance realista, partindo da utilização do texto romântico Coração, Cabeça e Estômago, julgo altamente necessário um breve resumo de ambas as obras que são referência na Literatura Portuguesa.

O Primo Basílio




Em O Primo Basílio de Eça de Queirós, Luísa vive um casamento “morno” com seu marido, o engenheiro Jorge. Ela passa os dias dentro de casa e em constante tédio. Sem ter o que fazer, Luísa vive debruçada sobre os romances, pelos quais é grandemente influenciada. Sem ter relevantes alterações na rotina do seu dia-a-dia, ela recebe, vez ou outra, a visita de sua amiga Leopoldina.
No meio de um verão sufocante, durante o qual Jorge faz uma viagem de trabalho ao Alentejo, Luísa recebe a visita de um primo rico, seu ex-namorado Basílio, agora recém-chegado do Brasil. Tornam-se amantes em pouquíssimo tempo, encontrando-se freqüentemente em um quarto alugado especialmente para esse objetivo. A criada Juliana descobre o relacionamento e começa a interceptar a correspondência da patroa, escondendo as cartas comprometedoras de Luísa a Basílio. A empregada pede à sua patroa uma quantia exorbitante, garantindo que se Luísa der o que lhe pede, não contará nada ao seu patrão Jorge. Luísa, desesperada, propõe a Basílio que fujam. Este não aceita a proposta da amante e vai sozinho para Paris.

Sob a pressão de Juliana, Luísa torna-se, pouco a pouco, uma verdadeira presa nas mãos da criada e é obrigada a fazer os serviços domésticos; sua situação acaba ficando insustentável. Jorge retorna do Alentejo e estranha bastante a situação da esposa. Luísa, desesperada, procura o amigo Sebastião e pede-lhe ajuda. Sebastião obriga Juliana a entregar as cartas comprometedoras. Depois da entrega, a criada que já sofria de problemas do coração, morre. Luísa fica doente em seguida.

Um dia ela recebe uma carta de Basílio, que Jorge lê e toma conhecimento das relações entre a esposa e o primo. Quase convalescente, a moça tem uma recaída, delirando e entrando em estado irrecuperável. Luísa acaba falecendo.


Coração, Cabeça e Estômago



Coração, Cabeça e Estômago de Camilo Castelo Branco, se trata de uma biografia do personagem Silvestre da Silva. A obra fica como herança para um amigo e o seu conteúdo refere-se ao “saber viver”; “aproveitar a vida para dela conquistar o máximo”.




A história se divide em três partes: na primeira, intitulada “Coração”, marcadamente romântica, Silvestre é guiado pelo coração e ama sete mulheres. É ainda nessa parte que Silvestre fala sobre duas presenças femininas marcantes em sua vida, que seriam “a mulher que o mundo respeita” e “a mulher que o mundo despreza”. Na segunda parte, sob o título de “Cabeça”, Silvestre resume suas idéias sobre o amor em sete princípios (máximas); torna-se jornalista. Escreve “páginas sérias de minha vida”, onde em um baile conhece as três herdeiras mais ricas da sociedade portuense. Nessa fase, Camilo C. Branco demonstra o realismo através da postura do personagem. Na terceira e última parte da história com o nome de “Estômago”, Silvestre narra como se casou com Tomásia. Silvestre não se perguntou se amava Tomásia ou não. Segundo ele, a comparar aos casais bíblicos, o casamento não se faz por amor – porque este é coisa do coração - que não tem mais importância nenhuma para ele. O autor vale-se de características naturalistas para construir/transformar os personagens e as suas posturas em relação aos acontecimentos.


Análises das Obras e Personagens


A obra de Eça de Queirós - O Primo Basílio - pode ser classificada como realista. De acordo com algumas das características deste estilo literário presente no romance, enfatiza-se a primeira: localização do texto em um ambiente de realidade social, pois os personagens são caracterizados e situados dentro de um contexto que leva em conta a realidade da sociedade burguesa de Lisboa da época. Além disso, há constantemente a apresentação física real dos personagens muito bem descrita. Observa-se isso através das passagens nas quais Jorge é apresentado, por exemplo:

“Era engenheiro de minas, no dia seguinte devia partir para Beja, para Évora, mais para o sul até São Domingos; (...)”. (p.7)
Ou ainda:
“(...)Fisicamente Jorge nunca se parecera com ela [sua mãe]. Fora sempre robusto, de hábitos viris. Tinha os dentes admiráveis de seu pai, os seus ombros forte”. (p.8) [grifos meus]

Já o texto de Camilo Castelo Branco – Coração, Cabeça e Estômago – pode ser classificado com romântico. Ao confrontar o romance de Eça de Queirós com o de Camilo C. Branco descobre-se que a maioria das citações sobre os personagens de Coração, Cabeça e Estômago é permeada de um idealismo muito intenso, marca que é típica do Romantismo. Nas palavras que se referem à Clotilde, Silvestre diz:


“Desci ao jardim, colhi duas rosas aljofradas das lágrimas da aurora, pedi licença para lhes oferecer, e disse: ‘Não as enxuguei, para não privar as florinhas das carícias de um anjo’ ”. (p.15)

Ou mesmo:

“- Chama-se Clotilde?
- Chama. Que nome!, que poesia!, que lirismo!, (...)”.
(p.16)

Outra característica presente na obra realista/naturalista é observação do homem como um animal, que tem o seu comportamento ditado de acordo com a variação das circunstâncias do meio no qual está inserido (Determinismo). Além disso, pode-se observar que as reações dos personagens que variam conforme os acontecimentos em O Primo Basílio e em Coração, Cabeça e Estômago, são muito diferentes.
Há uma cena altamente dramática em O Primo Basílio que retrata certos tipos de reação quando Juliana e Luísa estão em confronto. Há uma grande tensão nessa parte da obra. Aqui, pode-se ver um episódio de caráter indubitavelmente realista, apesar de Luísa se deixar manipular e assumir um tipo de fraqueza pela qual se constata uma espécie de “superficialidade” na construção do personagem. Junto a isso, tem-se a ajuda de possíveis ilustrações, explícitas ou não, que Eça de Queirós constrói para uma melhor visualização do homem como animal:

“- Quanto você quer pelas cartas, sua ladra? – disse Luísa, erguendo-se direita, diante dela.
(...) – A senhora ou me dá seiscentos mil réis, ou eu não largo os papéis! (...)
- Seiscentos mil réis! Onde quer você que eu vá buscar seiscentos mil réis?
- Ao inferno! - gritou Juliana. – Ou me dá seiscentos mil réis, ou tão certo como eu estar aqui, o seu marido há de ler as cartas!
(...) Luísa, quebrada, sem força para responder, encolhia-se sob aquela cólera como um pássaro sob o chuveiro. Juliana ia-se exaltando com a mesma violência da sua voz”.
(p.203; 204)


No trecho acima, enxerga-se uma Luísa verdadeiramente amuada como um frágil “pássaro sob o chuveiro” (imagem explícita) e uma Juliana crescendo em força como uma “loba” (imagem implícita), buscando tragar a patroa.
Diferente do romance de Eça de Queirós, Camilo C. Branco constrói ao longo da história de Coração, Cabeça e Estômago personagens que reagem aos fatos como românticos ao extremo. Dentro da primeira parte do livro, quando Silvestre ainda é guiado pelo coração, ao descobrir que Clotilde seria casada, conta:


“(...) - O que?! – exclamei eu, varado de agulhas nos olhos e nos ouvidos”. (p.17)

Que declaração pode ser esta, senão, certamente, romântica? Ou ainda, quando Silvestre e seu amigo Cibrão Taveira conversavam sobre Mademoiselle Elisa de la Sallete, diante de mais uma decepção amorosa, a exclamação é bem idealizada, como se espera de um romance romântico:



“(...) Cibrão, sem escarnecer a minha dor, respondeu com ar sisudo: ‘ - (...) Eu sei-o da outra, que ela tem na conta de amiga íntima. Ambas são da mesma farinha. Nenhuma delas serve para poetas, que andam no encalço de anjos. (...) Se queres mulheres para romances e prosas, pede-se à tua imaginação e deixa o mundo real como ele está, que não pode ser melhor’ ”. (p.23)

Na passagem citada acima, constata-se que a produção é romântica, entre outros fatores, devido à idealização da mulher por parte dos personagens; à decepção de um amor nunca alcançado; e ao pessimismo característico dos românticos.
Na seguinte passagem, é possível o reconhecimento de características românticas, com um toque de comicidade:


“A minha cara ajeitava-se pouco à expressão dum vivo tormento de alma, em virtude de ser uma cara sadia, avermelhada e bem fornida de fibra musculosa. Era-me necessário remediar o infortúnio de ter saúde (...). Um médico da minha íntima amizade receitou-me uma essência roxa com a qual eu devia pintar o que vulgarmente se diz ‘olheira’ ”. (p.25)

Mais um aspecto a respeito de O Primo Basílio é a tão questionada personagem Luísa. Considerada um personagem de mente fraca, manipulável e sem força de vontade. A primeira impressão que temos é que Luísa não condiz com o Realismo, por ser um personagem essencialmente romântico. Ela lê romances, acredita no escapismo e idealiza tanto seu marido Jorge quanto seu amante Basílio. De acordo com uma crítica feita por Machado de Assis sobre o personagem:


“A Luísa é um caráter negativo, e no meio da ação ideada pelo autor, é antes um títere do que uma pessoa moral. Repito, é um títere; não quero dizer que não tenha nervos e músculos; não tem mesmo outra coisa; não lhe peçam paixões nem remorsos; menos ainda consciência”. (Assis: 170;171)

Ele afirma claramente que a Luísa é praticamente uma marionete nas mãos de qualquer personagem da história. E mais:
“Luísa resvala no lodo, sem vontade, sem repulsa, sem consciência; Basílio não faz mais do que empuxá-la, como matéria inerte, que é. Uma vez rolada ao erro, como nenhuma flama espiritual a alenta, não acha ali a saciedade das grandes paixões criminosas: rebolca-se simplesmente. Assim, essa ligação de algumas semanas, que é o fato inicial e essencial da ação, não passa de um incidente erótico, sem relevo, repugnante, vulgar. Que tem o leitor do livro com essas duas criaturas sem ocupação nem sentimentos? Positivamente nada”. (Assis: 170;171)

Claro que Machado exagerou principalmente a respeito do envolvimento do leitor na história. O que poderia ser mais realista do que um episódio doméstico? O fato é que Queirós desde o início quis criar um personagem raso. Nunca teve intenções de torná-la uma heroína cativante como a Maria Eduarda de Os Maias (outra obra do autor português) nem tão pouco como “a provinciana singela e boa” Eugênia do romancista francês Honoré de Balzac. Ela certamente lembra a Emma Bovary, personagem de Flaubert: frágil, sonhadora, romântica.


Breves Conclusões sobre os Romances:



O Primo Basílio de Eça de Queirós é composto por marcas realistas no que tangem, principalmente, a análises psicológicas dos personagens e as suas reações diante das circunstâncias. Neste romance realista há, ainda, o objetivismo (que vai contra o subjetivismo romântico, por exemplo), o materialismo (que leva à negação do sentimentalismo e do caráter metafísico), o determinismo (que defende que o homem é produto do meio no qual está inserido), o tom moralista de Eça de Queirós, que como crítico da sociedade lisboeta daquela época, viu a necessidade de punir a personagem principal, etc.
Contudo, não se pode negar que a obra Coração, Cabeça e Estômago de Camilo Castelo Branco apresenta suas características realistas na fase sob o título de “Cabeça” e naturalista na parte nomeada “Estômago”. Entretanto, a obra de Castelo Branco demonstra uma influência predominantemente romântica, especialmente na primeira parte do romance – “Coração” – onde há a presença manifesta de marcas claramente românticas.


PARA QUEM GOSTA DE CINEMA:





Eu não sei bem se recomendo ou não que assistam ao filme brasileiro que estreou no ano passado "O Primo Basílio"... Suspeita p/ falar, o filme possui adaptações que prejudicam o desenrolar da história das quais não gostei. A minisérie produzida a partir da mesma obra é, realmente, muito mais fiel se comparada ao filme. Além disso, a minisérie nos presenteia com a belíssima atuação de Marília Pêra no papel da empregada Juliana e Tony Ramos como o personagem Jorge. Essa vale à pena!

sábado, 8 de março de 2008

O olhar de Kubrick sobre a evolução humana - Parte I

Um tratado explicativo da obra “2001 – Uma odisséia no espaço”, o mais importante filme de ficção científica da história do cinema.

Intentei criar uma experiência visual porque
estas ultrapassam o alcance das verbais,
normalmente relegadas ao ouvido, para
penetrar diretamente no subconsciente
com um conteúdo emocional e filosófico...
Queria que o filme fosse uma experiência
muito subjetiva, que chegasse ao espectador
em um nível interno de consciência, como lhe
chega a música... Pode especular livremente
sobre o significado filosófico e alegórico do filme.

Stanley Kubrick


Após escrever um pouco sobre o filme Nascido par matar no artigo “O olhar de Kubrick sobre guerra”, decidi seguir a mesma idéia e tentar explicar, desta vez de forma mais abrangente e profunda, este que é um dos filmes mais incompreendidos do Kubrick. Após muitas tentativas (nem todas bem sucedidas) de mostrar para meus amigos o porquê de eu achar esse filme genial, finalmente tentarei expor tudo que entendi durante o filme e suas sutilezas, tanto sobre o enredo em si quanto nas questões técnicas. Espero que consiga atingir pelo menos um pouco do meu objetivo e que esse texto sirva para aumentar o número de admiradores desse filme e do cinema de Stanley Kubrick.

Em princípio, dividirei esse artigo em três postagens para não tornar a leitura cansativa. Essa divisão coincidirá com a divisão em capítulos existente no filme. São elas: A aurora do homem, a missão para Júpiter e além do infinito. Durante essas partes e no fim de todas elas, farei breves comentários acerca da importância da trilha sonora nesse filme, a precisão para com a física, planos flutuantes e seu efeito visual, previsões tecnológicas entre outros detalhes extras. Dito essas coisas, vamos ao que realmente interessa: A nossa odisséia pelo mundo de Stanley Kubrick!


A aurora do homem

O filme começa com uma seqüência belíssima de paisagens de um planeta terra que não conhecemos. Não conhecemos porquê ainda não estávamos lá. A quase inexistência de vida e as paisagens naturais ainda inalteradas pelo homem tratam de nos situar no tempo: As imagens que vemos são de quatro milhões de anos atrás. As cores inconfundíveis do espalhamento dos raios solares pela atmosfera terrestre tratam de anunciar o surgimento de um novo dia e, implicitamente, o surgimento de uma nova era que virá.

Os primeiros seres vivos nos são mostrados. Um pequeno grupo de antropóides defende as poucas plantas que possui para sua alimentação do interesse de outros animais. Em seguida, o ataque de uma onça a um membro do grupo mostra a vulnerabilidade daqueles seres. A tela escurece. Vemos agora um pequeno grupo de antropóides bebendo água em uma pequena poça enquanto um outro grupo de antropóides se aproxima com o mesmo interesse. Começa então uma seqüência de gritos e movimentos desprovidos de regularidade por ambos os grupos de animais com o intuito de espantar o outro bando para então ter o controle da água.

A tela escurece e nos vemos novamente imerso as lindas paisagens pré-históricas. A onça por cima do cadáver de uma zebra mostra o quanto suas garras e prezas são decisivas no momento de conseguir alimento e, conseqüentemente, de sobreviver.

Um grupo de macacos dorme. Ao acordar, um deles se defronta com algo que o assusta, porém, nós espectadores, ainda não sabemos o que é. O sentimento de medo e curiosidade cresce em suas expressões e gestos assim como no som emitido por ele o que faz despertar para o acontecimento os outros membros do grupo. Agora em um plano aberto vemos o motivo de suas aflições: Um imenso bloco negro e comprido perfeitamente lapidado com precisão tal que nos faz acreditar que seja algo impossível de ser composto naturalmente. Os seres primitivos afastam-se e formam um circulo em volta do monólito negro.

“Com o aparecimento do artefato, surge a música eclesiástica de Ligeti. A voz do vento se confunde com Atmosferas. Música inane, sem objeto, sem tonalidade, sem ritmo, amorfa. A aproximação dos homens-macaco é um momento primitivo, poético, sem palavras. Ligeti soa como colagem frenética de todas as religiões do mundo. A música se associa ao estranho objeto, como saindo do seu interior.”

Rosinha Spiewak, doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC/SP

O monolito nesse momento representa o que vai ser uma constante por todo o filme, o medo do desconhecido. Gradativamente os antropóides se aproximam e pouco a pouco começam a tocar no monólito, transformando o medo anterior em um bem-estar para com a sua presença. No céu, vemos que naquele momento o sol está alinhado com a extensão negra e comprida do monólito fincado na terra.

Costumo dizer que quem não entende a Aurora do homem pode parar de ver o filme quando esta primeira parte chegar ao seu fim. O motivo para isso é que o acontecimento supracitado é essencial para o entendimento de todo o resto do filme, é uma “colher de chá” dada por Kubrick. Na verdade, nos parágrafos abaixo veremos quais foram as conseqüências do contato entre os antropóides e o monólito negro, influência essa que é muito mais simples de entender nessa primeira parte do filme, único e exclusivamente por analise comportamental dos seres.


Voltemos então aos acontecimentos. Mais uma vez, nós somos mergulhados no silêncio das paisagens vazias. Vemos muitos antropóides, mas um deles merece uma atenção especial. Começa agora minha cena favorita do filme, espero que consiga passar o peso que ela tem. Num plano médio, vemos um antropóide perto de uma ossada de um animal. Notamos que ele olha para os ossos de forma diferente, com uma certa inquietude enquanto ouvimos os primeiros acordes de “Assim falou Zarathustra” de Richard Strauss, música essa que será a marca registrada durante o filme, como sendo a sonorização da palavra “evolução”. Voltando ao antropóide, nos é mostrado rapidamente o quadro supracitado do sol alinhado com o monolito negro, voltando em seguida para o antropóide (mais uma “colher de chá” de Kubrick que, através da montagem, nos mostra a relação direta entre aquele acontecimento e sua conseqüência principal: A evolução daqueles que o tocaram). O antropóide olha para os ossos de forma diferente, parece entender algo novo, descobrir algo. Gradativamente, com o osso em mãos, começa a balançá-lo de um lado para o outro, variando a direção e a força.

A música de Strauss cresce com força. Os ossos espalhados no chão começam a se quebrar devido a colisão com o osso empunhado pelo antropóide. Percebam o peso desse acontecimento! É a primeira vez na história dos seres vivos que um osso é usado como ferramenta, é a primeira vez que algo é usado como ferramenta. No ápice da música de Strauss vemos uma montagem que nos elucida esse acontecimento, vemos o crânio no chão sendo esmagado pelo antropóide seguido de um animal vivo caindo morto como se tivesse sido atingido também pelo osso: agora a caça é possível. Todo o resto do filme trata sobre isso, a influência que o monólito teve na evolução da raça humana e como mudou definitivamente, através da inclusão da capacidade de pensar em alguns seres vivos, a seleção natural no nosso planeta (antes já tínhamos visto que as onças eram muito mais aptas à caça e, portanto, a sobreviver, que os antropóides).


A evolução só começou. Em seguida, podemos presenciar já o domínio da caça através da utilização de ossos como ferramenta. Vemos vários antropóides, todos eles comendo carne e segurando um osso, instrumento esse responsável pela obtenção mais fácil de alimento.


Novamente voltamos à poça de água e conseqüentemente a disputa pela mesma entre os grupos de antropóides, mas dessa vez as coisas serão diferente. Nitidamente mais eretos que os demais, os membros do grupo que presenciaram o monólito e que agora já consegue caçar e se defender melhor, vence fácil a disputa. Com movimentos menos despropositados, se aproxima do outro grupo e mata um antropóide que não teve contato com o monólito, que não evoluiu. A seleção natural mudou de rumo para sempre. Num momento antológico do cinema, um antropóide (eles ainda podem ser chamados assim?) joga para o alto o osso que utilizou para matar e, dessa forma, manter o domínio do lago. O osso sobe alto e desce em sentido horário, ocorrendo então o maior corte temporal cinematográfico já concebido: Estamos agora no espaço sideral.

Termina aqui a primeira e belíssima parte do filme. Essa primeira parte é de vital importância para todo o desenvolvimento do filme e nos mostra com antecedência como será a linguagem utilizada para explicar os eventos. Nas partes posteriores do filme, seremos diretamente ligados aos acontecimentos e à linguagem (como a música de Strauss no momento da evolução) que presenciamos de forma mais acessível nesse inicio.

Nas postagens vindouras, tratarei dos outros segmentos do filme, talvez levemente menos explicados (se não, daria umas 20 páginas pelo menos) do que esse primeiro que considero importantíssimo para o entendimento do resto. Espero que eu tenha sido claro em minhas explicações e que tenha mostrado uma coisa ou outra que não havia sido previamente notado por alguns, pois minha intenção aqui é simplesmente tentar enriquecer o entendimento desse filme que tanto gosto. Até a próxima postagem, onde continuaremos a nossa odisséia.