sexta-feira, 28 de setembro de 2007

I N L A N D__ E M P I R E

Festival de Cinema do Rio de Janeiro

Império dos sonhos, 27/09/07.

Após alguns meses de espera, finalmente vi o tão comentado novo filme de David Lynch. Arrumar ingresso não foi nada fácil, foi o primeiro filme a esgotar a venda de ingressos antecipados do Festival de Cinema do Rio de Janeiro. Porém, vinte por cento dos ingressos foram deixados para venda na bilheteria do local no dia do filme, sorte a minha (e de outros). Cheguei lá exatas quatro horas e meia antes do filme e já tinha umas cinquenta pessoas na fila mas, felizmente, conseguir garantir o meu ingresso e o da minha namorada.


Com efeito, David Lynch criou a sua nova obra com recurso a uma pequena câmara digital (a título de curiosidade, a Sony DSR-PD150), que permite uma mobilidade e uma facilidade na experimentação que a película não permite, além de ser consideravelmente mais barata. Quer isto dizer que, com uma câmara acessível a qualquer um, David Lynch criou uma obra-prima e voltou a alargar os horizontes da Sétima Arte, o que apenas prova pela infinitésima vez que mais do que dominar tecnologias, importa saber o que fazer com elas e como, através delas, servir o cinema. Lynch experimenta com a imagem, com a narrativa, com o som, e deixa-nos completamente perdidos num mundo, mas é sempre capaz de permanecer em contacto directo com as mais profundas emoções humanas, fazendo-nos rir, chorar, ou temer pelas suas personagens.
Todos em seus lugares, que comece a sessão. O filme começa com uma mistura de cenas desconexas que você nem se dá o trabalho de tentar liga-las, logo virá uma explicação, pensaria, errôneamente, alguns. Nikki (Laura Dern) é uma atriz de Hollywood que está se preparando para estrelar um novo filme junto com outro ator bem sucedido, denvor. Porém, durante o processo de filmagem do filme, ela começa a ter crises de dupla personalidade, se confundindo com a personagem a qual interpreta, Sue.


Até aí tudo bem, David Lynch faz questão de mostrar a desorientação de Nikki de uma forma direta e partircular, ou seja, desorientando por completo o público, em diversos momentos do filme você não sabe se é a Sue ou a Nikki que vc está assistindo. Essa desorientação do público é ministrada de forma magistral, em pouquíssimos minutos você se sente um órfão completamente perdido no filme, em dados momentos você pensa estar acompanhando um fato importante da vida de Nikki e derrepente você ouve alguém gritar "Corta! Muito bom Nikki, parabéns!", acredito que a desorientação do público só não seja maior que a da própria Nikki que descobre junto com o publico, que aquilo que acabara de viver e sentir não fez parte de sua vida, e sim da vida de sua personagem Sue. Então, quando você pensa que está entendendo a história e que a complicação do roteiro é exatamente essa dupla personalidade de Nikki, aí é que tudo piora.

A desorientação é tal, que caímos, sem perceber, para o âmago do surrealismo. A desorientação do público a partir daqui, tem como responsáveis duas características do filme, a desestruturação da noção de espaço e a de tempo. Coisas que estão lá, na verdade não estão. Eventos que ocorreram em tempos distintos se encontram num mesmo lugar e por aí vai. Fato é que o tal filme que eles estão fazendo é na verdade uma refilmagem de um filme que não foi possível terminar: seus protagonistas foram assassinados.
A atriz que interpretou Sue naquela primeira filmagem, também tem crise de dupla personalidade. Complicado até aqui? ainda não. Começa então a deterioração da noção temporal dentro do filme, Nikki confunde sua personalidade com a da Sue assim como a atriz da primeira filmagem também o fizera, porém, a primeira atriz começa a confundir sua personalidade com a Sue interpretada por Nikki e a Sue interpretada por Nikki confunde-se com a vida da primeira atriz! Pronto, agora complicou.


O que se vê em "Inland Empire" são exatas 3 horas de puro pesadelo, da Nikki, da Sue, da primeira atriz, e, principalmente, do público. Muita gente não aguentou as revelações e saiu da sala de cinema. Isso mesmo, cerca de 30 pessoas abandonaram a sala de cinema que a tanto custo lutaram para obter um lugar dentro dela. O filme é sombrio, pertubador, insano, absolutamente não linear e surrealista. David Lynch consegue nos promover o maior pesadelo de nossas vidas, um que dura 3 horas ineterrúptas, atacando-nos com cenas desconexas, desconstruindo nossa noção de tempo e espaço com um sucesso em sua empreitada inenarrável. Para quem não conseguiu ingressos ou não mora no RJ, acho que o filme vai estrear por aqui dia 02 de novembro desse ano, basta procurar se informar direito porque definitivamente este não é um filme para o grande público e, indubitavelmente, não será figurinha carimbada nas salas de cinema do país. Este filme acho que está além do bom e do ruim, é uma obra audiovisual pertubadora, inteligente, não linear e, em vários momentos, insana, assim como nossos piores pesadelos.

P.S. Alguém pode explicar-me o real sentido da família dos cabeça de coelho?!

Especificações técnicas:

Titulo Original: Inland Empire
Titulo Português: Império dos sonhos
Realizado por: David Lynch
Atores: Laura Dern, Jeremy Irons, Justin Theroux
País de Origem: França/Polónia/Estados Unidos
Duração: 172 min.


8 comentários:

Anônimo disse...

mesmo como colaboradora desse blo, devo um comentário ao belo texto escrito pelo Rafael e pelas fotos.

Unknown disse...

Alive the double personality!

=@

Urso Polar disse...

sei que em Donnie Darko tem uma cena assim... com cabeça de coelho... né?
nao vi o filme ainda!!! mas vi a cena solta!

E Bernal disse...

Irland Empire - um delírio a la Carlos Castañeda, uma forma mágica de brincar com o nosso emocional e nos brindar com a embriaguez das nossas mais profundas inquietações.Leva tempo para conseguir digerir..

E sobre a questão da família de cabeça de coelho, é uma metáfora que precisamos desvendar, afinal filme hollywoodiano está cercado por esse seres alienígenas, e me fez lembrar de alguns filmes onde eles aparecem.
O que aparece, por exemplo, em Matrix I - um coelho, é justamente o "Night of the Lepus", em português, "Coelhos Assassinos", "A Noite dos Coelhos", "O ataque dos coelhos gigantes"...
outro sobre "A Gang dos Coelhos", um terrir, em que numa cidadezinha era atacada por uma gangue de coelhos assassinos...

Enfim, coelhos estão presentes no Império dos Sonhos talvez representando a própria vida, gerando vida, produzindo sonhos...

Natz. disse...

polly tem a teoria de que a polonesa que chora eh obsecada pela nikki/sue e isso 'explica' a parte que a nikki/sue esta nas situa�es 'pobres', com polacos estranhos e tal. ela assiste a nikki/sue, atriz e protagonista do filme que tem seu conflito vida pessoal e roteiro independente da polonesa. enigma eh donnie darko family e as mulheres dan�antes/cantantes. lynch .

Raphael Dias disse...

as mulheres dançantes fazem parte da confusão entre nikki e sue. è um reflexo da personagem da sue (as prostitutas são do filme) na atriz que a interpreta, Nikki. Na maioria das vezes que elas aparecem são momentos reflexisivos da Nikki em que as prostitutas aparecem falando coisas que deveriam sair é da boca de Nikki, ou seja, elas são projeções dos pensamentos de Nikki, representados por elementos da vida de Sue.

Raphael Dias disse...

Mas a familia de coelhos é o ponto mais macabro do filme, consegui interpretar não, pelo menos nada satisfatório.

Débora Cunha disse...

baseado no comentário da karenina, acho que os coelhos representam a dubiedade das coisas, sendo um símbolo de vida e também de morbidez... ou não??

preciso ver esse filme!