domingo, 3 de fevereiro de 2008

Bobby Fischer vai à guerra: A genialidade e loucura de um dos grandes gênios do século passado


“Xadrez é guerra no tabuleiro. O objetivo é fundir a mente do oponente”

Bobby Fischer

Sendo fã de xadrez e seus praticantes como sou, não poderia deixar passar a oportunidade de escrever um pouco aqui sobre o filme que teremos em breve. A Universal Pictures, juntamente com algumas parcerias, recentemente anunciou a contratação de Kevin Macdonald (que dirigiu “O Último Rei da Escócia”) para ser o diretor do drama “Bobby Fischer goes to war”, ou “Bobby Fischer vai à guerra” numa tradução livre.

O filme vai girar em torno do Match (conjunto de partidas) entre o norte-americano Bobby Fischer e o russo Boris Spasky valendo o titulo mundial. Seria normal para aqueles que desconhecem o xadrez e Fischer perguntar: Mas por que pode vir a ser tão interessante um filme sobre algumas partidas de xadrez?! É exatamente isso que pretendo responder nas linhas abaixo no intuito de convencer o maior número de pessoas possível que esse projeto tem tudo pra se transformar em um grande filme. De forma resumida, essa resposta pode ser dada em duas palavras: Política e genialidade.


"Quando eu joguei contra Fischer, ele lutou contra os produtores de televisão e os organiadores do evento. Mas ele nunca lutou contra mim pessoalmente. Eu perdi para Bobby antes mesmo de jogar porque ele já era mais forte que eu. Ele ganhou normalmente" Spassky, sobre o campeonato mundial de 1972

Situemos-nos, primeiramente, historicamente. O embate ocorreu em 1972, auge da guerra fria que ficou conhecida por dividir o mundo em dois blocos: os EUA e seus aliados políticos e a extinta URSS, formada pela Rússia e um pouco mais de uma dezena de outros países socialistas. Levando em conta as nacionalidades dos dois jogadores (americana e russa), é fácil deduzir a dimensão que esse match, que foi realizado em Reykjavik (capital da Islândia), tomou. A URSS já havia monopolizado o esporte durante três décadas antes de Fischer e continuou com sua hegemonia ainda três décadas depois. Fischer foi o suspiro do ocidente. Certa vez Bobby Fischer chegou a declarar: “Realmente é o mundo livre contra a mentira, trapaça e hipócritas russos”.

"Eu sou o melhor jogador do planeta e estou aqui para provar isso" Bobby Fischer

Fischer, que ainda muito novo (por volta dos 12 ou 13 anos de idade) aprendeu sozinho a língua russa para se informar melhor sobre a teoria do xadrez, acreditava que muitas coisas que aconteciam no xadrez eram controladas pela KGB (órgão secreto de inteligência russa, equivalente a CIA americana), e que seus agentes o perseguiam.

Sobre a genialidade de Fischer, cem páginas não seriam o bastante para relatar a grandiosidade de sua mente, mas irei relatar aqui alguns fatos que vão além do tabuleiro pra que a maioria dos leitores percebam suas qualidades extraordinárias. Primeiramente, Fischer se tornou Grand Master aos 15 anos, esse titulo é dado àqueles que chegam em um nível muito alto de conhecimento em xadrez, titulo este comparável ao de Ph.D. nas outras profissões. Ele decorava suas partidas enquanto as jogava, sabia de cabeça todas as que já jogou. Bastava você dizer pra ele o nome do adversário e o ano que ele era capaz de reproduzir no tabuleiro, lance a lance, exatamente como a partida aconteceu. Acredita-se que ele calculava em torno de quatro lances a frente por segundo durante o jogo. Tinha o QI superior ao de Albert Einstein e outros gênios históricos, seu QI era de 185 (a média humana é entre 90 e 110 e acima de 145 a pessoa já é considerada superdotada). E isso tudo só pra eu não entrar em suas proezas dentro dos tabuleiros, que são ainda maiores.

"Você sabe que vai perder. Mesmo quando eu estava melhor no jogo eu sabia que iria perder" Andrew Soltis, sobre jogar contra Fischer

Infelizmente, uma das maiores mentes do século passado, foi da genialidade à loucura muito rapidamente. Era rude quando queria (e parece que quase sempre queria), extremista em suas opiniões, anti-semitista, odiava Judeus (sua mãe era judia), acreditava que tudo se baseava em conspirações governamentais e muitas outras coisas que tornou Bobby Fischer o orgulho e a tristeza da nação enxadrista. Suas exigências também atingiam o absurdo. Não jogava a menos que as peças fossem opacas e a iluminação indireta, a cadeira também deveria ser de um formato específico e o primeiro jornalista deveria estar à uns bons metros de distância.

Após uma carreira brilhante e surpreendente, conquistou o título de campeão mundial em 1972 e, após isso, quando o mundo achou que tinha se acostumado e parado de surpreender-se com suas excentricidades, Fischer fez o lance mais surpreendente de toda a sua vida: Desapareceu! Por muitos anos Fischer só dava as caras quando ele queria. Passou por vários países e muitos mitos sobre seu destino apareceram na forma de rumores na época. Alguns diziam que ele havia morrido, outros que ele enlouquecera de vez e jogava xadrez em pracinhas de países menos conhecidos. Fischer perdeu seu titulo de campeão do mundo em 1975, pois não compareceu para defender seu posto contra Anatoly Karpov (russo). Em 2004, Fischer foi preso em um aeroporto no Japão por tentar viajar com um passaporte revogado pelos EUA.

Ele foi ameaçado de extradição para os Estados Unidos pra receber a punição por ter violado a sansão imposta à Slobodan Milosevic, então líder da Iugoslávia, jogando no país um rematch contra o mesmo Spassky por algo entorno de dez milhões de dólares. Em 17 de janeiro de 2008, Fischer faleceu na mesma cidade que em 1972 foi palco de um dos maiores confrontos enxadrísticos da história.

Acredito que um dos maiores desafios do diretor será mostrar o tamanho de suas proezas para um público que não conhece a profundidade do xadrez. Toda uma vida (literalmente) não é suficiente para se ter domínio de todos os aspectos do jogo, tamanha a dimensão de sua teoria. O talento de Kevin MacDonald para retratar figuras excêntricas, daquelas que se ama ou odeia, já foi testado e comprovado no seu filme “O Último rei da escócia” onde mostra a história de um ditador.

Pouco se sabe sobre o desenvolvimento da película. Além de Macdonald na direção, o roteiro será realizado por Shawn Slovo ("Em Nome da Honra"). A história será baseada em um livro de autoria de David Edmonds e John Eidinow. A produção está agendada para iniciar no final de 2008. Até lá, nomes no elenco e na equipe técnica devem ser adicionados.

Gostaria enormemente de ver Leonardo Di Caprio no papel principal desse filme. Acho que talvez ele seja o único capaz de retratar esse tipo de personalidade com tamanho realismo, uma vez que o personagem principal do filme lembra muito o Howard Hughes que ele interpretou em “O aviador”, no que diz respeito ao estilo bonito-gênio-louco. Mas ainda não foi divulgado nem sequer o tamanho da produção de “Bobby Fischer goes to war”, então não sabemos nem mesmo detalhes do orçamento do filme.
Macdonald atualmente está envolvido com as filmagens de "State of Play", baseado em uma minissérie do canal britânico BBC e que narra a investigação de um jornalista sobre a morte de uma jovem, amante de um poderoso político.

Poderia ficar horas e horas dissertando sobre como a história de Fischer daria um bom filme mas espero ter atingido meu objetivo principal nesse texto que era de trazer o maior número possível de olhos para esse projeto e não só os fãs de xadrez. Bobby Fischer tem história suficiente para virar um filme do nível e formato de “Uma mente brilhante” ou “O aviador”, ambos sucessos de bilheteria e exemplos de bom filme.

Por último, reproduzirei abaixo uma carta escrita pelo próprio Fischer quando uma revista local pediu ao mesmo para que se apresentasse, se descrevesse, dias antes do campeonato mundial de 1972, tema principal do filme. Acredito que esse texto mostre toda a sua genialidade, perseverança assim como sua loucura e o quanto ele podia ser rude e convencido. Eis a carta:


“Sou um especialista, jogo xadrez. Isso é uma coisa séria. Outra coisa não sei fazer, mas tudo o que sei eu domino a fundo. Nasci em Chicago, 9 de março de 1943. Serei campeão mundial. Se Spassky, o atual campeão, não tem medo de mim, tampouco eu tenho medo dele. Vim a Europa como em outros tempos veio Paul Morphy. Ele era de Nova Orleans e jogou como um gênio derrotando a todos os mestres europeus. Quando voltou para a América, morreu de desgosto e frustração. Meu objetivo é bater o recorde de Emmanuel Lasker, que reteve o titulo durante 27 anos. Necessito de muito descanso e uma boa iluminação.
Em especial, não tolero nenhum ruído que me distraia em meu trabalho de calcular e combinar. Onde mais gosto de jogar é na Iugoslávia. As pessoas gostam de mim e até escrevem cartas. Os dez mil dólares oferecidos para a final eu considero muito pouco. Deve-se pagar melhor aos grandes mestres. Não quero me contentar com presentes pequenos. Trabalho todo um mês, enfrento mestres fortes e experimentados e a FIDE me paga 750 dólares. Fiquem então com o dinheiro ou joguem-no na água! Esforcei-me muito na vida para ser algo. Hoje já sou alguém, amanhã serei ainda mais conhecido. Meu objetivo é que no planeta não exista ninguém que mova as peças de madeira melhor que eu. Meu pai abandonou minha mãe quando eu tinha dois anos. Nunca o vi. Minha mãe disse apenas que se chamava Gerhard e era alemão. Ela era educadora num internato suíço.
Vivíamos no Brooklyn, onde minha mãe procurou para mim um professor de xadrez. Quando aos 13 anos, pude derrotar Donald Byrne em uma brilhante partida e me senti orgulhoso ao ler nos jornais: quando um menino faz tais jogadas, algo surgirá disso. Estudei a língua russa para poder me informar melhor sobre a teoria do xadrez.
Na América, ninguém pode ser comparado a mim: fui oito vezes campeão nacional, o que já me resulta
em desmotivação. A única coisa que não me desmotiva é ver meu saldo bancário aumentando. Algum dia, serão meus o automóvel mais caro e a casa mais bonita. Xadrez me causa prazer e pode me proporcionar dinheiro. Botvinnik escreveu que calculo melhor que os demais. Disse que sou um computador, um homem prodigioso e que fui um menino prodígio. Aqui não existe prodígio algum. Sou apenas um estudioso. Jogo xadrez todos os dias. Aprendo e procuro melhorar meus conhecimentos. Agora, todos esperam de mim que ganhe sempre. Aos jornalistas é desagradável que uma partida termine em empate. É algo que ataca os nervos. Não sou como Petrossian ou Korchnoi que concordam em empatar com 12 jogadas. Continuo até ficar com o rei sozinho. Sei o que quero. Os meninos que tiveram que crescer sem pai logo são como lobos. Meu mundo é o tabuleiro preto e branco de xadrez. Em minhas jogadas, procuro movimento e arte ao mesmo tempo. Quem não consegue ver isso me da lástima. Robert James Fischer não é nenhum computador como alguns querem pensar. Sou meramente um homem,mas um homem extraordinário. Aos 15 anos era Grande Mestre, aos 16, campeão americano, com 28 sou o jogador mais forte do mundo e com 29 serei oficialmente campeão mundial. Meu programa para o futuro está claro. Não cometerei o mesmo erro de Sousse, nem abandonarei o campo de batalha. Carecia de experiência e era demasiado susceptível. Agora sou forte como um muro e frio como um Iceberg."

Fontes: Chessbase.com ; Cinemacomrapadura.com.br ; Bobbyfischer.net

10 comentários:

Anônimo disse...

Concerteza algo diferente para se assistir, quem conhece a história do xadrez, e sabe que Fischer foi o único campeão mundial oficial de xadrez não-soviético, todos os outros são vindos da terra da vodka..

Bom blog :)
abraços e sucesso

Anônimo disse...

Cara, não se esqueça que capablanca era cubano, e emanuel lasker alemão, e nenhum dos dois era soviético...

Raphael Dias disse...

Não entendi Thomas. Eu apenas disse que os soviéticos dominaram o cenário 30 anos antes e 30 anos depois de Fischer e isso não engloba a era Capablanca e mt menos do Lasker.
É sobre essa parte do texto que vc se referia?

Anônimo disse...

Genial. Mas Leonardo diCaprio tá longe de ser um bom ator.

No mais, o Fischer > ALL.

Raphael Dias disse...

Discordo. Infelizmente di caprio ainda ta com a fama de "rostinho bonito" mas depois que ele começou a trabalhar com Scorsese aprendeu o que é cinema de verdade (segundo o próprio). Basta ver "O aviador" e sua performace nesse filme. Toda minha opnião de leo para o papel vem unico e exclusivamente da atuação dele nesse filme.

Conversando com um amigo, chegamos a conclusao que a expressão gélida do matt damon em "O bom pastor" também caíria como uma luva no personagem.

Mas isso tudo assumindo que será indicado algum ator de nome para o papel principal, pra dar algum "peso" no projeto já que a temática eh totalmente desconhecida do publico em geral.




Obrigado a todos pelos comentários!!! Continuem comentando que é o nosso incentivo para continuar escrevendo aqui. Valeu!

Lê Alassë disse...

Bem sou totalmente ignorante nesse assunto. Não lembro de ter ouvido sobre Bobby Fischer. Sempre quis aprender a jogar xadrez, mas nunca ngm se dispos a me ensinar.

Se o filme for em semelhança a Um Mente Brilhante tem tudo pra ser um bom filme. Até para leigos no assunto como eu.

Defendo Leonardo diCaprio, há algum tempo ele comprova ser um bom ator, ontem vi Diamante de Sangue e ele não fez feio. Por sinal, eu gostei mt do filme.

Bem, é isso. Agora posso falar sobre Bobby Fischer! rs

Anônimo disse...

Gostaria de saber como ele morreu, porque morreu tão cedo.

Abs,
Célia

Severino Ferreira Leite Severino disse...

sou enxadrista a muitos anos, e como professor para iniciantes, achei a idéia do filme muito boa. indiquei o filme "uma mente brilhante" para muita gente, jogador ou não. meu sonho sempre foi disseminar o xadrez nas escolas como matéria obrigatória. o filme ajudaria a criar novos enxadristas nesse Brasil tão carente de cultura. Severino Leite.

Anônimo disse...

quero muito ver esse filme,quero saber porquê os comentários são tão antigos???quero mais informações...

Anônimo disse...

aquele louco irreverente! me encanto a cada partida de fischer